07/11/2013

As omissões de “Verdade Inconveniente”

Numa escola privada os números são públicos. Nas escolas públicas os números são privados. Afinal em que é que ficamos?

No passado dia 4 de novembro, a TVI transmitiu uma reportagem designada “Verdade Inconveniente” sobre o Ensino Particular e Cooperativo, a cargo da jornalista Ana Leal, na qual a Escola Evaristo Nogueira foi uma das visadas.

Apesar da i...nconveniência da verdade para a responsável pela peça jornalística e para muitos dos interlocutores que dela fizeram parte, o corte e costura de retalhos da vida de escolas diferentes, em regiões díspares e com situações incomparáveis, resulta num saco de gatos que mistura alhos com bugalhos, como foi o caso com a Escola Evaristo Nogueira.

Sem sangue para fazer correr, nem argumentação que justifique a sua menção numa peça que faz bem no desmontar de situações menos claras referentes a alguns casos mais nebulosos, a Escola Evaristo Nogueira foi presenteada com o estatuto de sorvedouro dos dinheiros públicos que, ao invés de serem canalizados para as Necessidades Educativas Especiais do Agrupamento de Escolas Guilherme Correia de Carvalho, seriam destinados à escola de São Romão, no município de Seia.

A jornalista, e a sua equipa, aproveitando um início de ano letivo que começou com protestos numa escola da região por falta de resposta de docentes de Necessidades Educativas Especiais, transportou a insatisfação pela incompreensão da interioridade pelo poder político sentida por pais, professores e diretores de Agrupamentos de Escolas, para o ensino particular que com eles convive paredes-meias.

Ao longo de uma história de mais de 22 anos em prol da educação numa vila a que se orgulha de pertencer, São Romão, e num município da qual é força integrante, Seia, é no mínimo injusto que se concentre nesta instituição, que sempre primou pelos interesses da sua terra e das suas gentes, tamanho fardo.

Numa comunidade que a Escola ajudou a dinamizar com eventos, provas desportivas e ações solidárias que se somam a um ensino gratuito financiado ao longo de mais de duas décadas, a Escola Evaristo Nogueira fez por merecer um capital de confiança que tem hoje o seu espelho na preferência de uma larga fatia dos alunos do município e dos seus encarregados de educação.

Para os que pretendem encontrar um bode expiatório na Escola Evaristo Nogueira, a demografia seria, talvez, o alvo mais preciso. Em 1991, quando a Escola Evaristo Nogueira iniciou atividade, o número de jovens do município de Seia com idades entre os 10 e os 14 anos, a população escolar de relevo para a instituição, alcançava os 2385. Hoje, são apenas 977 os jovens com idades entre os 10 e os 14 anos que residem nas várias freguesias de Seia.

A Escola Evaristo Nogueira providencia hoje, como há mais de 20 anos, um serviço público gratuito de educação, serviço que é assegurado pelo financiamento público através de um contrato de associação, como é referido na reportagem. Um financiamento que atribui anualmente 85 mil euros por turma e que é destinado ao pagamento dos salários de professores, dos restantes funcionários, da administração e das demais despesas de funcionamento (como água, eletricidade, gás, aquecimento e outras despesas de manutenção) que uma Escola como a Evaristo Nogueira, com 250 alunos, suporta. Uma breve visita bastaria para perceber que não há piscinas, não há campos de golfe, não há cavalos, não há mordomias e, principalmente, que não é uma escola de elite como o demonstram os mais de 60% dos alunos que são apoiados pela ação social (ASE), numa área geográfica que passa hoje por enormes dramas sociais e humanos. Para a Escola a sua elite está bem identificada: alunos oriundos de muitas famílias afetadas por situações de desemprego, alunos oriundos de instituições de acolhimento temporário e alunos de diferentes etnias. Esta elite, que é o bem mais precioso e mais importante da Escola Evaristo Nogueira, inclui ainda cerca de 30 jovens com Necessidades Educativas Especiais de caráter permanente, com apoio individualizado prestado por um professor com formação especializada.

Além disso, em nenhum momento da reportagem se faz referência a quanto custa ao erário público uma turma nas outras escolas da região, nem se revela o orçamento global anual, como se faz para a Escola Evaristo Nogueira.

Para que fique bem claro, o dinheiro sai da mesma morada na Avenida 5 de Outubro, em Lisboa, e um euro aplicado na educação na Escola Evaristo Nogueira vale o mesmo euro noutra qualquer escola do município.

O cariz delator da reportagem enferma de outros vícios. A contrapor aos professores e às escolas estatais que vão ficando sem alunos e que vão aumentando o expediente de horários zero, está uma Escola Evaristo Nogueira como entidade desumanizada, como se não existissem os cerca de 30 professores que lecionam na instituição e os demais funcionários que são a força motriz de uma entidade que assume a responsabilidade por 45 postos de trabalho e por número idêntico de famílias da região.

Não há cidadãos de primeira e cidadãos de segunda, professores de primeira e professores de segunda, assim como não há escolas de primeira e escolas de segunda e estes têm sido os pilares pelos quais a Escola se tem pautado na sua longa relação com a restante comunidade escolar do município.

Quanto à conclusão enviesada da reportagem, não é necessário sequer chegar a finalista da Escola Evaristo Nogueira para a vislumbrar: Feche-se a escola pública de propriedade privada, que tudo pode ser feito agora pela oferta de ensino de propriedade pública. Salvam-se os professores, os funcionários, a escola estatal, enfim o Interior.

E os outros? Os professores, os funcionários e a Escola que funciona como pública? Essas 45 famílias serão desprezíveis ou não merecerão um emprego na região e neste Interior longínquo? A nobreza da profissão varia com a propriedade dos estabelecimentos? Manuel Almeida Sousa, um dos pais fundadores da Escola Evaristo Nogueira foi, no seu curto tempo de vida, o paradigma da célebre frase “As Obras São Grandes Quando os Homens são Maiores”. A reportagem emitida pela TVI no dia 4 de novembro além de não retirar uma pedra à obra do seu mentor reforça-a e fortalece a vontade em ultrapassar os enormes desafios que partilhamos com muitas das escolas públicas do Interior do país.

A Direção da Escola Evaristo Nogueira, São Romão, 6/11/2013

em: http://www.evanog.com/press/

Sem comentários: