17/12/2009

Entrevista ao Jornal Santa Marinha, edição de 17 de Dezembro de 2009

SEIA/ENTREVISTA A LUIS SILVA
Homenageado com uma Menção Honrosa no Cine´Eco 2009
Luís Silva é Assistente Social, desenvolve a sua profissão em Instituições de Solidariedade Social no Concelho de Seia e Gouveia. Licenciou-se em Serviço Social pelo Instituto Superior Miguel Torga em Coimbra e detém uma Pós-Graduação em Administração Social pela Universidade Lusíada de Lisboa. Paralelamente à sua profissão exerce colaboração com alguns órgãos de comunicação social nomeadamente imprensa escrita, radiofónica (Rádio Boa Nova, Oliveira do Hospital) e televisiva (Dão TV – Viseu). Fundou e foi Director do Jornal “Torre do Selo”. Dedica nas suas horas vagas tempo para a fotografia e para a sétima arte. No cinema documental apresenta em 2009 “Os Últimos Moínhos” o quarto documentário do Realizador. Assume-se como documentarista social procurando com os seus documentários acima de tudo valorizar e reconhecer o trabalho das pessoas que de uma forma ou de outra nunca foram reconhecidas. A escolha dos moinhos e dos moleiros pretende ser isso mesmo. Esta foi uma forma de economia com grande força no País e que aproveitava os recursos hídricos e eólicos numa simbiose perfeita entre a utilização dos recursos ambientais e a economia. Hoje esta arte está em vias de extinção. O Sociólogo António Barreto, autor do documentário “Portugal um retrato social” é a sua grande referência no cinema documental uma vez que procura através dos seus documentários passar uma mensagem de alerta e acima de tudo uma mensagem social, nunca esquecendo de apontar soluções aos problemas retratados, contrariamente à maioria dos documentários que se limitam a apontar as falhas mas esquecem-se de apontar soluções. Para o realizador esta é a grande diferença dos seus filmes em relação a outros. A escolha deste tema surge da recolha de estórias e histórias junto de pessoas que em tempos se dedicavam a esta arte e que hoje, com tristeza e alguma mágoa vêem os moinhos abandonados, cobertos de silvas e em ruínas e, pior que isso, não vêem as Entidades responsáveis mostrar algum interesse para os recuperar. A realização e as filmagens deste documentário iniciaram-se em Outubro de 2008 e prolongaram-se até Maio de 2009, num total de 8 meses de recolha de depoimentos e gravações. No total foram recolhidas 18 horas de filmagens, percorridos 1200 Km, filmadas12 localidades, retratados 6 Concelhos e entrevistadas 8 personagens.
JSM: Hoje (dia 17 de Dezembro), o seu filme/documentário “Os Últimos Moinhos” vai estar em exibição no cinema da Casa Municipal da Cultura de Seia. Quais são as expectativas para esta noite?
Sendo a projecção do filme a meio da semana as expectativas ao nível da afluência do público são diferentes do que se fosse ao fim de semana em que as pessoas têm mais disponibilidade de tempo para virem ao cinema. Infelizmente, na nossa região, as pessoas não dedicam muito do seu tempo à cultura, daí que, se estiverem presentes cerca de 50 pessoas logo à noite no cinema em Seia para verem o filme já fico satisfeito, é que normalmente nas sessões das 5.ªs feiras se formos ao cinema podemos reparar que estão lá 10 a 20 pessoas e isso para um realizador que se entrega de corpo e alma de forma totalmente gratuita á divulgação da sua região através deste meio, não é motivador, no entanto, pode acontecer o que aconteceu no CISE quando o filme passou a concurso. Tendo sido a uma 6.ª feira de manhã estavam lá perto de 120 espectadores o que não deixou de ser surpreendente até para a própria organização. Do ponto de vista da projecção do filme espero que seja de qualidade superior à que foi no auditório do CISE.
JSM: Como tem “visto” a passagem do seu filme junto dos seus actores/intervenientes?
Os intervenientes é que dão alma a este documentário. Curiosamente não conhecia nenhum pessoalmente. Por exemplo, a D. Maria de Jesus, moleira, residente em Figueiró da Serra não acredita em nada do que vê nas televisões. Acha que é tudo inventado. Ao ver-se neste documentário mudou completamente a sua ideia. Esta Sr.ª vive sem luz, sem água canalizada e ainda faz as suas refeições em panelas de ferro à lareira. Em pleno século XXI vive de uma forma que para muitos de nós era impraticável viver. Ao médico foi uma vez, apesar da idade avançada. Sempre viveu no campo e é ali que quer acabar os seus dias. Avelino Boto, moleiro, residente em Sandomil, apesar de ter já sido operado ao coração por três vezes não abandona a sua profissão. Crítico da forma como a sociedade está hoje em dia organizada, mostra-se também, bastante sensível às questões ambientais fazendo referência à poluição que aniquila o Rio Alva, poluição para a qual também não vê interesse em que seja resolvida. Foi com as lágrimas nos olhos que na ante-estreia em Maio deste ano ele e a sua família viram o filme. Foi para ele, talvez o melhor reconhecimento que alguém podia ter feito à sua pessoa e à sua profissão de uma vida que ainda mantém em funcionamento no seu moinho em Sandomil, S. Gião e S. Romão. Artur Gueifão, criado nos moinhos dos seus avós em Domingos da Vinha no Alentejo, mostrou-nos e falou-nos com grande orgulho das suas réplicas de monumentos que vai fazendo para passar o tempo, agora que se encontra reformado. Este autodidacta, produziu um moinho de água que ofereceu ao Museu Rural de Figueiró da Serra, moinho este que demorou 3 meses a construir e que pesa 85 kg. Também ele ficou bastante agradado por alguém um dia se ter lembrado de colocar na tela através do cinema esta arte dos seus antepassados que ele tanto preza. Firmino Toipa, natural de Vildemoinhos-Viseu, por amor à sua tia “Micas Moleira” recuperou sem qualquer ajuda de qualquer entidade um moinho e converteu-o num Eco-Museu que hoje recebe ao longo do ano centenas de estudantes do 1.º ciclo, 2.º e 3.º ciclo e até etudantes Universitários que ali se deslocam para visitarem e realizarem trabalhos. Recebe também a visita de Lares e Centros de Dia. A aceitação desde a primeira hora para integrar este documentário foi um claro sinal do reconhecimento do seu esforço em recuperar o moinho que hoje está ao serviço da sociedade. Em Tourais, Maria Armanda também entrou pela primeira vez num filme. Maria Armanda mostra-nos todo o processo de fazer o pão em forno de lenha e fala-nos sobre as qualidades e características do sabor desta especialidade. A arte aprendeu-a com os seus antepassados e deu-lhe o devido seguimento até aos dias de hoje. No geral todos os intervenientes gostaram de se ver na tela do cinema e são eles a grande alma deste filme onde relatam as suas vivências tal e qual como foram. Aqui neste documentário não existe ficção, tudo é real.
JSM: Após a realização deste documentário, como considera a questão histórica/ambiental (degradação dos moinhos) com a temática da extinção desta profissão (moleiro)?
Numa sociedade que tanto apregoa a defesa do ambiente e dos recursos ambientais parece-me que afinal nada se faz em sua defesa. O esquecimento a que foram votados os moinhos é preocupante. O que vi na sua maioria foram moinhos abandonados e os poucos que ainda se encontram em funcionamento vão ficar também eles esquecidos. Outro problema que registei foi a poluição que corre nas nossas ribeiras e rios, nomeadamente o escoamento dos esgotos a céu aberto directamente para os rios. É triste por exemplo em Sandomil onde podemos observar lontras e outras espécies de animais e espécies piscícolas no rio, vermos os esgotos a escoarem mesmo ao seu lado. Para os moleiros “a água é o nosso sangue” e ficam feridos de morte ao verem “o nosso sangue” contaminado sem que se consigam arranjar soluções para o tratar. As levadas na sua maioria estão destruídas pelo tempo, obstruindo a normal circulação das águas que se perdem pelos campos sem qualquer aproveitamento prático para a agricultura. Relativamente à extinção desta profissão não tenho dúvidas nenhumas que vai mesmo acabar. Há moleiros que mantêm em funcionamento 5/6 mós. Quando estes moleiros partirem deste mundo, essas mós pararão também elas para sempre.
JSM: Quais os patrocínios/apoios que teve até agora?
Patrocínios nenhuns. Apoios alguns.
Tive o apoio da Quinta do Adamastor em Figueiró da Serra. A Ante-Estreia no dia 30 de Maio foi feita naquele espaço de turismo de habitação. Disponibilizaram-me a sala de congressos, assim como, ofereceram um beberete aos convidados no final. Tive o apoio do Centro Social e Paroquial de Figueiró da Serra na pessoa do Sr. Pe. Boto e do Sr. Aristides Ferreira que acabou por me acompanhar em todo este projecto. Tive o apoio da Junta de Freguesia de Figueiró da Serra e da Câmara Municipal de Gouveia ao nível da cedência de espaços para a exposição de fotografias sobre o filme e cedência da Biblioteca Municipal Vergílio Ferreira onde o filme foi projectado no passado mês de Novembro. José Ferreira, um emigrante nos EUA, também ele de Figueiró da Serra foi outra das pessoas que apoiou este filme na sua divulgação junto da comunidade emigrante. Os Estúdios Fotográficos Foto Correia em Oliveira do Hospital foram o meu principal patrocinador ao nível do equipamento de filmagem sem o qual era impossível fazer este documentário. A DãoTv mais que uma patrocinadora foi uma aliada uma vez que os seus profissionais ajudaram na edição e montagem do filme assim como na voz off.
JSM: Formulou algum pedido (patrocínio/ apoio) a entidades públicas ou privadas?
Sim.
Na Ante-Estreia do doc no dia 30 de Maio, estiveram presentes responsáveis ao mais alto nível de todas as Autarquias retratadas neste filme. Gouveia, Seia, Oliveira do Hospital, Coimbra, Viseu e Belver. No final da apresentação os elogios foram muitos. Na semana seguinte enviei um ofício através de e´mail para todas as Autarquias a solicitar patrocínio e, até à data não recebi qualquer resposta.
JSM: Qual o custo final deste filme? Para quem gosta desta arte (documentário) e que gostaria de realizar/fazer um filme, considera acessível a concretização do mesmo (sem apoios)?
O custo final deste filme foi enorme. Despesas de deslocação (1200 km percorridos), alimentação, estadia, aluguer de material, pagamento à empresa que fez a edição e montagem, pagamento ao narrador e despesas de compra de cassetes e material diverso para as filmagens, além do registo no Instituto da Propriedade Industrial (INPI) e na Inspecção Geral das Actividades Culturais (IGAC), posso dizer com comprovativos de recibos que gastei perto de 3.500 euros. Para quem gosta desta arte posso dizer que, infelizmente não basta gostar. Pelo que me apercebi até ao momento, não podemos contar com o apoio de entidades. Ou se tem para investir ou não se tem. Infelizmente a aposta na cultura e, acima de tudo a aposta nos produtores locais é nenhuma.
JSM: Qual a sensação de ter sido o único filme senense a ser reconhecido, neste Cine’Eco 2009?
É o reconhecimento do meu trabalho por parte, neste caso do Júri da Lusofonia. Quando um Festival de Cinema sobejamente reconhecido nacional e internacionalmente como é o CineEco que recebe todos os anos aproximadamente 500 filmes de toda a parte do mundo e selecciona cerca de 70 para a fase final onde está incluído “Os Últimos Moínhos” e desses 70 acaba por ganhar uma Menção Honrosa, é caso para ficar contente. Além destes dados se pensarmos que estamos a competir com profissionais da área da televisão e do documentarismo, se pensarmos que estamos a concorrer com produções altamente profissionais do ponto de vista técnico e de recursos humanos especializados, se pensarmos que estamos a concorrer no mesmo pé de igualdade com filmes que já ganharam prémios em festivais nacionais e internacionais, os quais utilizam meios de filmagem e edição altamente sofisticados, é caso para que a nossa sensação seja também ela altamente positiva. Para ter uma ideia do que estou a falar, o realizador que arrecadou os 3 principais prémios do CineEco 2009 é cameramen da SIC e na minha opinião é o profissional mais completo tecnicamente de todas a televisões Nacionais. Outras Menções Honrosas que foram atribuídas este ano, são produções por exemplo da RTP. Ora, o meu filme ter sido seleccionado e ter arrecadado uma Menção Honrosa dá-me a sensação que afinal ainda existem David´s que sem os mesmos meios chegam onde chegam os Golias.
JSM: Tem participado noutros Festivais de Cinema? Quais? Qual tem sido o resultado desta participação?
O documentário antes de ter sido seleccionado para o CineEco foi seleccionado para o IF-IF, Festival de Cinema Internacional de Idanha-a-Nova. Estive presente em Idanha no dia em que o filme passou no Festival e no final a critica gostou do que viu. Passou também no Festival de Cinema em Arouca e à margem do circuito dos Festivais já passou na Biblioteca Vergilio Ferreira em Gouveia, vai passar hoje no cinema em Seia e já tenho outros locais onde vai passar como por exemplo no Cinema em Oliveira do Hospital, no cinema na Covilhã, na Casa do Concelho de Gouveia em Lisboa, vai passar numa sala de cinema em Coimbra e no Teatro-Cine em Viseu.
Estes são os que já estão confirmados havendo outros locais onde irá passar.
O melhor resultado destas participações é chegar aos cinemas e ver bastante público presente e interessado em colocar questões sobre a produção/realização.
JSM: Para quando e onde estará à venda ao público este filme?
Neste momento o DVD está praticamente registado faltando apenas uns pequenos pormenores que estão a ser tratados junto do IGAC. É minha intenção ter o filme à venda até final deste ano em vários pontos do País, nomeadamente postos de turismo, algum comércio e entidades hoteleiras. Não descuro a possibilidade de o ter à venda numa grande superfície sobejamente conhecida de todos e que anunciarei brevemente na apresentação pública do DVD onde espero contar com a participação de algumas figuras públicas nacionais da sétima arte e do social.
JSM: Qual é o ponto onde gostaria de ver chegar o seu documentário, que ainda não chegou (passar na TV, por exemplo)?
Como sabe, a imprensa local, regional e nacional tem dado um forte contributo á divulgação do filme. Agradeço a toda a imprensa escrita da região da Guarda, Viseu e Coimbra, uma vez que não houve um único jornal que não tivesse publicado notícias sobre o filme. Um agradecimento especial também às rádios da região assim como aos blogues e sites que desde a primeira hora têm apoiado este projecto. Recentemente estive em Lisboa onde fui convidado a dar uma entrevista para a Rádio renascença. Em Julho foi para a Antena 1 e nesse mesmo mês a revista de Domingo do Correio da Manhã fez uma reportagem bastante interessante. No seguimento da Menção Honrosa ganha no CineEco, parte do filme passou na RTPn no Fotograma que é um programa específico sobre produções nacionais. Por último posso dizer-lhe que gostaria que o filme passasse numa televisão nacional, não só porque dava outra projecção à nossa região da Serra da Estrela, mas acima de tudo aos nossos moleiros que, com dificuldades ainda vão mantendo esta arte.
JSM: Quais os objectivos futuros? Para quando o próximo documentário?
Nesta área um dos objectivos que tenho para o futuro é alertar as entidades para que apoiem as pessoas do Concelho de Seia que investem neste género de difusão cultural. O CineEco é um dos projectos que Seia e os Senenses se devem orgulhar uma vez que concentra em si mesmo a atracção do Mundo e leva ao Mundo o que de melhor por cá passa ao nível de cinema ambiental. Assim sendo, o que custa incentivar e apoiar os produtores locais? Obviamente que terá de haver regras para a atribuição desses apoios, mas, provavelmente seria uma boa aposta até do ponto de vista da atracção turística. Outro dos objectivos é contribuir com os meus documentários para ajudar na resolução dos problemas ambientais que possam existir na nossa região. Relativamente ao próximo documentário o que posso dizer é que já estou a trabalhar no tema e espero apresentá-lo em 2011.
Agradeço ao JSM a entrevista e desejo a todos os seus leitores um Feliz Natal e um Próspero Ano Novo

1 comentário:

Diasnet disse...

Muitos parabens, que isto seja o principio de um caminho repleto de exitos.