Construções ilegais sobre dunas, rios contaminados por industriais inescrupulosos, fogo colocado em florestas ancestrais e pedreiras em parques naturais são alguns dos crimes contra o meio ambiente cometidos em Portugal, esboçando a paisagem de uma natureza ferida de morte. A legislação pune, mas abrir um processo judicial apresenta imensas dificuldades burocráticas, ao que se soma a carência de meios dos polícias ambientais da Guarda Nacional Republicana (GNR), que raramente vêem o seu trabalho coroado por uma condenação exemplar. A impunidade é quase total. Colocar no banco dos réus quem age à margem da lei é muito pouco e não é comum. O comum é punir com multa irrisória, em termos comparativos com o que custaria a uma empresa contaminante acatar as leis ambientais. É o caso de se pensar que o crime compensa. Desde a sua criação em 2002, o Serviço Nacional de Protecção da Natureza e do Meio Ambiente (Sepna) da GNR abriu 488 processos penais e passou 26.954 multas. Entre os crimes mais frequentes estão incêndios provocados em florestas, pedreiras ilegais, contaminação dos rios, a caça, venda e posse de animais protegidos. Somente em 2004, foram apreendidos mais de 1.500 animais entre aves, répteis, primatas e até um elefante e um jacaré. A diferença entre multar e levar o infractor ao tribunal deve-se ao facto de ser muito difícil abrir um processo-crime e poucos são os atentados ambientais castigados pelos tribunais. Esta situação vê-se agravada pela atitude dos governos,pois a política pública de meio ambiente sofreu retrocessos lamentáveis nos últimos anos, nomeadamente no que respeita a recursos hídricos, tratamento de esgoto e conservação da natureza. No ano passado, o Instituto de Conservação da Natureza (ICN) ficou sem recursos técnicos e financeiros, a ponto de ter os seus telefones cortados por falta de pagamento, deixar de enviar cartas por falta de dinheiro para o selo e não poder utilizar os carros por falta de gasolina. O governo do primeiro-ministro socialista José Sócrates, ao que parece, não se impressionou por esta situação precária e para 2005 reduziu o orçamento do ICN em 30%, tornando o controle do crime ambiental cada vez mais difícil. Outro dano grave ao meio ambiente são os incêndios florestais, que também afectam a economia do país, pois causam um efeito negativo imediato em dois sectores-chave: o turismo e a poderosa indústria do cortiça, produto obtido a partir da casca do sobreiro, uma das árvores que mais sofreu os efeitos do fogo. Estima-se que em Portugal crescem 80% dos sobreiros de todo o planeta e a sua indústria transformadora controla 67% do comércio mundial de cortiça. Embora os incêndios florestais tenham repercussão negativa na economia nacional, as indústrias transformadoras de madeira são as grandes favorecidas. Jamais se provou que estejam por trás destes atentados à natureza e tudo não passa de suposições baseadas em cálculos simples. Uma tonelada de pinho é cotada a 44 euros, mas o preço que as madeireiras pagam aos proprietários de pinhais, grandes perdedores neste negócio florestal, baixa para 12 euros quando provém de áreas queimadas. Entretanto, como afirmam os ambientalistas, a pior perda, que não tem preço, é para o ecossistema. Por outro lado, o turismo constitui a principal indústria que gera divisas para Portugal, o país que em 2005, com o incêndio de 425.716 hectares, assumiu a liderança dos maiores incêndios florestais do continente europeu nos últimos 50 anos, afugentando milhares de estrangeiros temendo os incêndios incontroláveis. O golpe de misericórdia foi desferido em Março de 2004 pela revista norte-americana National Geographic, que colocou a região meridional do Algarve entre os piores destinos turísticos do mundo, classificando-a em 106º lugar entre 115, superado em má qualidade ambiental apenas pelas costas espanholas do Sol e Brava. Entre os fundamentos da revista para colocar o Algarve, a zona turística por excelência do extremo sul de Portugal, na lista dos 10 lugares onde se deve evitar ir de férias, estão «o desenvolvimento incontrolado da costa» e «a destruição do meio ambiente natural com projectos que pretendem capitalizar o mercado do turismo de massa». Nas últimas três décadas, o Algarve foi sistematicamente vítima de voraz apetite das grandes imobiliárias, que transformaram uma das paisagens mais belas da Europa em praias cercadas de altos edifícios de betão, um lucrativo negócio onde os principais clientes são britânicos, alemães, holandeses e escandinavos. Após 30 anos de duras críticas ao que foi descrito como a "cimentação" do Algarve, a atenção dos ambientalistas agora volta-se para as construções ilegais precárias que transformaram as dunas públicas de pequenas ilhas arenosas em propriedades privadas, ignorando o respeito pelo meio ambiente devido à erosão da costa. Neste momento, há situações de grave erosão, o que, somado à subida das águas do mar, traz o risco até de as ilhas desaparecerem. Entretanto, «aquilo que não se vê», como as crescentes emissões de gases causadores do efeito estufa, pode ser o maior dos crimes ambientais, «as alterações climáticas são um problema gravíssimo, mais do que qualquer outro, porque pode significar a inviabilidade de todo o país e é um fenómeno imprevisível». Fica ainda o alerta que, «com a subida das águas do mar e com o aumento dos fenómenos extremos, dentro de alguns anos pode deixar de existir o que se proteger».
Quercus, 9 de Março de 2006
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