18/01/2006

Qual protecção de crianças?

Os últimos casos mediáticos relativos a abuso de crianças, nada mais são apenas que uma gota de água num oceano de tantos milhares que por cá existem e vão continuar a existir no nosso tão pobre e pequenino País. Felizmente, tem havido mudanças significativas, mudanças essas que se notam, nomeadamente, na sociedade civil que está mais alerta e que está a perder o medo de denunciar, porque sabe que só assim está a prestar uma grande ajuda ao País em geral e às crianças em particular. A grande prioridade não está hoje tanto no verbo mas na acção, mais do que proclamar Direitos da Criança, é necessário promovê-los sustentadamente e para isso é preciso que os Técnicos que trabalham a tempo inteiro na Comissão de Protecção de Crianças e Jovens em Risco, seja onde for, deixem de fazer trabalho administrativo e saiam da sua secretária para a rua, para o terreno. É necessário que deixem o calor do aquecedor do gabinete e passem a andar ao frio e a visitar os casos sinalizados mais regularmente, porque já se sabe, quem não é visto é esquecido. As visitas domiciliárias servem acima de tudo para marcar presença e dizer “nós estamos atentos”, com todas as reacções que isso provoca nos casos visitados e até nas gentes dessas localidades que comentam e elas próprias fazem a sua “pressão”, tornando-se mais atentas. É preciso acabar de uma vez por todas com a política de “secretária” e passar-se à política “todo-o-terreno”. A actuação do Estado na tutela dos direitos da criança deve assentar no principio da corresponsabilização, enquanto que a da Comissão Nacional, conforme previsto na respectiva legislação, cabe orientar a actuação do Estado e a coordenação, acompanhamento e avaliação da acção dos organismos públicos e da comunidade na protecção das crianças e jovens em risco. Não nos podemos esquecer que há um tempo para intervir e essa intervenção deve em primeiro lugar procurar apoiar e responsabilizar os pais para que seja possível assumirem a sua função insubstituível e natural. A intervenção para a promoção e protecção dos direitos das crianças deve privilegiar o suporte às famílias, tentando ajudá-las a reencontrar o equilíbrio necessário em tempo útil para a criança, sendo imprescindível que à criança seja prestado o cuidado, a confiança e o afecto essenciais à sua identidade. É inequívoco, que todas as crianças têm direito a um projecto de vida, o qual deve priorizar a sua inserção familiar, sendo certo que a institucionalização não pode ser considerada umasolução, mas tão somente uma medida de protecção depois de esgotadas todas as outras alternativas. As respostas neste domínio têm de se pautar por um grande equilibro, sensatez e justa proporção na aplicação do principio de subsidiariedade. Não poderemos transformar a ultima das soluções na mais fácil. A política de promoção e protecção das crianças e jovens deve incidir e respeitar a sua tripla expressão: a de indivíduos, isto é de seres irrepetiveis com nome e código genético próprios; a de pessoas, com mente, alma e coração; a de cidadãos, sujeitos e portadores de direitos e deveres. Hoje estamos muito orientados para as estatísticas e para a quantidade, mas quando se trata de crianças não nos podemos limitar a pensar nas pessoas através dos números. Não nos esqueçamos que se a quantidade necessita de um registo e de uma calculadora, só a qualidade nos exige uma consciência, uma memória, uma atenção. A quantidade é uma “união de facto”, mas só a qualidade pode vir a ser, como desafio, uma verdadeira "“união de valor". As crianças e jovens em risco, que pelos mais variados motivos se encontram privados de um meio familiar, não necessitam de mais relatórios, de mais estudos, de mais quadros legislativos laboratorialmente interessantes mas nem sempre conformes com a natureza dos problemas e das pessoas. Que ninguém tenha sequer a tentação de transformar os problemas em falsas soluções para tranquilidade efémera da tecnocracia social. É indispensável intervir de forma humanizada e individualizada, olhar para cada criança e jovem em risco com a certeza que cada um tem direito a uma família e a um projecto de realização que respeite a sua identidade e personalidade, contribuindo também para uma sólida pedagogia sobre a “ética da responsabilidade do cuidar”. Sabe-se que ainda temos um longo caminho pela frente para fortalecer a esperança destes futuros adultos. Não nos podemos conformar com um tão elevado número de crianças acolhidas em lares ou em estruturas temporárias de acolhimento, hoje mais de 9000, das quais, significativamente, mais de 60% com suporte familiar regular e só 3% com projecto de adopção.
Será utopia o que aqui peço? Mas não é de utopia que deveremos construir a esperança de uma vida melhor para as crianças e jovens? E não é de utopia que deveremos, através do respeito que elas nos merecem, consagrar a vida?

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