03/12/2005

De quadrilheiros à policia cívica

BREVE HISTÓRIA DA POLÍCIA EM PORTUGAL
POLÍCIA - “Instituição encarregada de manter a ordem e a segurança públicas e de velar pelo cumprimento das leis relativas a essa ordem e segurança, na multiplicidade dos seus aspectos.”in “Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira”
INTRODUÇÃO
O termo “Polícia” começou por designar a actividade global do Estado, que tinha por fim assegurar o exercício dos seus poderes legislativo, executivo e judicial, o que se espraiou ao longo de milénios. No longínquo Egipto faraónico do séc. XI AC, existia um “Chefe de Polícia”. Também os hebreus, logo após a sua saída do Egipto, organizaram uma Polícia, instituição esta que também existia, na mesma época, na China, onde cada grande cidade possuía a sua Polícia. Igualmente, as cidades gregas lhe confiaram a sua tranquilidade pública. Em Roma existiam os questores, assistidos por edis e censores, a quem competiam funções policiais. Entre os Incas também vigorava um rigoroso regime policial. A Alta Idade Média conheceu entre os Francos a orgânica policial, destacando-se as medidas de Carlos Magno. Na Idade Média a defesa da ordem pública estava a cargo das comunidades, rurais ou urbanas, dos senhores feudais e dos tribunais. À medida que se foram constituindo os Estados, a Polícia foi-se estruturando com a missão de vigilância sobre todas as esferas da vida pública estava a cargo das comunidades, rurais ou urbanas, dos senhores feudais e dos tribunais.
PRINCÍPIOS DA POLÍCIA EM PORTUGAL
Em Portugal, no que respeita a documentação escrita, existem poucos documentos referentes à administração da Justiça até à segunda metade do séc. XV. Só com o reinado de D. Afonso V (embora sob a regência de seu tio, Infante D. Pedro), nos aparecem as primeiras “Ordenações”, com alguma matéria penal, ficando conhecidas como “Ordenações Afonsinas”. Tendo começado por ser redigidas por ordem de D. João I, acabaram por só serem impressas em 1514, após sofrerem várias alterações, com o nome de “Ordenações Manuelinas”.No entanto, conhecem-se algumas medida
s de âmbito judicial empreendidas pelos nossos primeiros reis. Assim, D. Afonso Henriques mandava encarcerar as mulheres que se amantizavam com elementos do clero e no tempo de D.Afonso II, sob influência do “Código Visigótico” e do “Direito Romano”, aparecem as primeiras leis gerais. Igualmente se sabe que D. Afonso III castigava com o enforcamento aquele que assaltasse a casa de outrém para roubar. D. Pedro I, “O Justiceiro”, decreta que a vigilância sobre todas as esferas da vida pública. Desde o séc. XVIII restringiu-se a sua acção à salvaguarda da vida e bens dos cidadãos e do serviços de interesse público (“iluminação, limpeza e conservação das vias públicas”). No séc. XIX a Polícia viu limitada a sua acção à manutenção da ordem social estabelecida.Mas os criminosos dispunham de alguns locais de abrigo para fuga à justiça: igrejas, mosteiros e terrenos coutados ( tanto rurais como urbanos, os chamados “bairros de privilégio”). Tornaram-se estes portos de abrigo, que eram as terras coutadas, autênticos covis de ladrões, o que levou D. João I a extinguí-los, à semelhança do que já fizera D. Fernando I com os “bairros”. Apenas restaram as igrejas e os conventos.O primeiro corpo de agentes policiais foi criado por D. Fernando I, os chamados Quadrilheiros, com um efectivo de 20 elementos, tendo recebido um Regimento, datado de 12 de Setembro 1383, que refere no seu preâmbulo a grande criminalidade que grassava na cidade de Lisboa. Estes Quadrilheiros (recrutados à força, entre os homens mais fortes fisicamente) ficavam subordinados à Edilidade, por três anos consecutivos, e obrigados por juramento a terem as suas armas (uma Vara, que devia estar sempre à porta de cada um deles, a qual representava o sinal de Autoridade para prenderem e conduzirem o criminoso perante a Justiça dos Corregedores).Mas, como não recebiam pagamento por este trabalho, bastante perigoso, que lhe era imposto, muitos elementos fugiam a essa função. Chegaram a ser intoleráveis e a gozar de nenhum prestígio, sendo várias vezes espancados e feridos na execução das suas missões, principalmente nos alaridos entre as peixeiras da “Baixa” e os vendilhões ambulantes. Assim, em 1418, já não eram obrigados a rondar a cidade. Posteriormente, D. Afonso V, em função da anarquia criminosa, dá aos Quadrilheiros, em 10 de Junho de1460, alguns privilégios de âmbito social e económico, de que ressalta a dispensa de trabalharem nas obras públicas. No entanto, com o tempo, estes privilégios foram desaparecendo. Impotentes pelas ameaças e pela desautorização que recebiam dos próprios nobres e das autoridades camarárias, donde dependiam, a sua moral para o trabalho forçado que exerciam era muito baixa. Outras determinações vieram depois de D. Afonso V, em prol da ordem pública, mas, Leis, Regulamentos, Avisos e Ordenações mostraram-se ineficazes. D. Sebastião promulga as leis de 31 de Janeiro de 1559, 17 de Janeiro de 1570, 12 de Julho e 13 de Agosto de 1571, que mais não eram que reforços às leis de D. Fernando I, D. Duarte e D. Afonso V. Como medida de compensação, os Quadrilheiros são dispensados do pagamento de impostos e do serviço militar. Ainda no reinado de D. Sebastião é determinado que Lisboa seja dividida em Bairros e que para cada um fosse nomeado um Oficial de Justiça, com poderes praticamente discricionários. A 12 de Março de 1603, o Rei Filipe II manda dar um novo Regulamento aos Quadrilheiros, reforçando-lhe a autoridade. A Câmara de Lisboa, a 30 de Janeiro de 1617, determina que cada Quadrilheiro tivesse um rótulo sobre a sua porta que o identificasse e que se pedisse ao rei que lhe desse e confirmasse os privilégios e as preeminências que se assentassem na mesa da Câmara propôr ao monarca, ressaltando que de um ofício digno e tratava. D. João IV dá novo Regimento aos Quadrilheiros. O Decreto de 29 de Novembro de 1644 obriga, com terríveis sanções, os Quadrilheiros a servirem condignamente nas suas funções. Mas, apesar de todas estas medidas aliciatórias e repressivas, ao Quadrilheiro continuava a desagradarlhe o seu trabalho. Como resultado de toda esta atmosfera compulsiva, muitos deles eram autoridades de dia e proscritos de noite. Na primeira metade do séc. XVIII a situação pouco se modificou. Continuou-se com a falta de policiamento, como nos provam as leis de 1701, 1702 e 1714. Foram criadas mais rondas à cidade mas, em pouco tempo, os criminosos sabiam que as leis se transformavam em farrapos esquecidos. Continuaram os Quadrilheiros, mau grado todas as suas limitações, a personificar a pouca ordem existente.
INTENDÊNCIA-GERAL DE POLÍCIA
Poder-se-á, de certa forma, considerar que a realidade do pós-Terramoto de 1755 obrigou à nascença de muitas Resoluções e Leis para manter a Ordem Pública, numa filosofia de que o público exemplo do castigo de alguns que se aproveitaram da desolação e anarquia reinante, servisse de freio aos maus e de tranquilidade aos bons. Neste contexto, Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal, viu-se na imperiosa necessidade de criar um organismo que centralizasse todas as leis já publicadas. Assim, pela Lei de 25 e Junho de 1760, é criada a Intendência da Policía da Corte e do Reino. É criado o lugar de
Intendente-Geral da Polícía da Corte e do Reino, com ilimitada jurisdição, em matéria de Polícia, sobre todos os ministros criminais e civis que a ele recorressem e que dele recebessem as ordens nos casos correntes. Com este Decreto ficava o Intendente, em matéria de segurança pública, com mais poderes que o próprio Governo. Foi primeiro Intendente-Geral o Desembargador Inácio Ferreira Souto. É a partir deste momento que o termo “Policía” se vulgariza, pois até então o Quadrilheiro era denominado como Sizudo, Morcego ou Nocturno, por exercer a sua actividade apenas de noite. Mas, contrariamente ao que se pensava, a criação da Intendência, num primeiro período, pouco resolveu a problemática criminal.As trancas nas portas, as grades nas janelas, os bacamartes à beira da cama, tornaram-se ainda mais urgentes. Porque, a principal ocupação da Intendência, nesta fase foi, em vez de se ocupar com a Ordem Pública, A perseguição aos que falavam mal do Rei, do Governo e de Pombal. Entre 1760 e 1780 o estado caótico manteve-se. Por Decreto de 18 de Janeiro de 1780 a Rainha D. Maria I nomeia o antigo Juiz do Crime do Bairro do Castelo de S. Jorge, Dr. Diogo Inácio de Pina Manique, Intendente-Geral da Policía da Corte e do Reino. Formado em Leis pela Universidade de Coimbra, fica omnipotente no cargo. Começou Pina Manique por expurgar dos próprios serviços policiais os elementos que à sombra da Lei acobertavam os criminosos. É com Pina Manique que a Intendência alcança todas as suas potencialidades de actuação face ao crime e à manutenção da tranquilidade pública. Grande número de criminosos são presos e bairros suspeitos de Lisboa, como Alfama, Mouraria, Bairro Alto e Madragoa, são limpos de muitos marginais. Reorganizando os serviços, impõe o respeito da população ao Departamento.
Fundou ainda a Guarda Real de Policía em 25 de Dezembro de 1801, um corpo militarizado a cavalo, e iluminou a cidade de Lisboa, o que obviou muito à criminalidade. Criou casas de correcção e a Policía Sanitária para as prostitutas. Também a criação da Casa Pia de Lisboa, por proposta sua e da qual foi nomeado Superintendente, para acolhimento das muitas crianças abandonadas da sorte, ficou a perpetuar o seu nome. Faleceu a 30 de Junho de 1805. Como a Guarda Real de Polícia era assoberbada com a fiscalização aduaneira, é criada a Guarda das Barreiras, sendo mais tarde substituída pela Guarda das Alfândegas. Em 1808 o General Loison, a mando do Intendente-Geral da Guarda Real de Policía, institui a Polícia Secreta. Em 1823 é criada, pelos liberais, a Guarda Nacional e a 23 de Junho de 1824 é instituida uma nova polícía secreta, a Policía Preventiva. Em 21 de Agosto de 1826 foi extinta a Guarda Real de Polícía.

A 8 de Novembro de 1833 foi extinto o cargo de Intendente-Geral da Polícía, tendo sido seu último Intendente-Geral o Desembargador José António Maria de Sousa e Azevedo. Todos os serviços de Polícia passaram para o cargo de Prefeitos ( hoje Governadores Civis ), em que avulta o Prefeito da Provìncia da Estremadura, Bento Pereira do Carmo. As prerrogativas policiais deste cargo mantiveram-se temporal e territorialmente, quer se tratassem de Prefeitos, Administradores Gerais e, depois, Governadores Civis. A 18 de Abril de 1835 foi o Reino dividido em 17 Distritos Administrativos, tendo cada distrito um Governador Civil, e sendo dividido em Concelhos e os Concelhos em Freguesias ou Paróquias. Como já se referiu, os Governadores Civis eram os chefes supremos da segurança pública.Em período de grande confusão política e social resultante das lutas entre liberais e absolutistas, é suprimida a Guarda Real de Policía e substituída pela Guarda Municipal. (actualmente representada pela Guarda Nacional Republicana), criada por Pereira do Carmo. Neste emaranhado de instituições policiais, muitas vezes contraditórias entre si, é dissolvida em 1846 a Guarda Nacional. O que se pode observar e concluir, em termos de Ordem Pública, de toda esta miscelânia de instituições policiais, que pulularam durante cerca de sete décadas do séc. XIX. Tudo não passou de meras tentativas, porque nenhuma lei deu resultado positivo na criação de corpos de segurança pública, porque a desordem continuava a imperar. Nem a Lei de 22 de Fevereiro de 1838, a primeira lei que criou corpos para manter a segurança pública em cada um dos Distritos Administrativos do país, conseguiu melhores resultados. Até esta altura, as Leis, Decretos e Portarias que se publicaram apenas representavam balões de oxigénio. Os roubos e assassinatos que se praticavam isso testemunharam. Os guardas e os juízes sentiam-se traídos no esforço e seriedade das suas funções, visto não serem as penas cumpridas e os malfeitores chegarem a provocá-los com ameaças de represálias, o que levava não só à desmoralização, mas até à atemorização, não poupando a calúnia e a falsa acusação os próprios magistrados. Chegou-se ao cúmulo de, na cidade do Porto, em 1865, o jornal “O Demócrato” ter ridicularizado os agentes da autoridade nortenha, chamando-os de “coitados” e desgraçados , como era de uso alcunharem-se as meretrizes!
O CORPO DE POLICÍA CIVIL
Foi por se chegar a um estado verdadeiramente doentio que o Rei D. Luis fez publicar, em 2 de Julho de 1867, a lei que criou em Portugal o Corpo de Polícia Civil. Com o nascimento desta nova instituição, estavam lançadas as bases, longínquas, para criação da actual Polícia de Segurança Pública.Esta Lei foi antecedida de um relatório elaborado por uma comissão de juristas, no qual, a determinado passo se pode ler: “A segurança pública é condição essencial para a existência de toda a sociedade bem organizada, e por isso, com razão, já se escreveu: que ela é para o corpo social o que o ar é para o corpo humano. À Polícia cumpre fazer cessar toda a perturbação na economia da sociedade organizada e constituida: a sua actividade é de todas as horas. (...). Os agentes da Polícia devem ser indívíduos que pela sua moralidade, honestidade e prudência, chamem sobre si as simpatias do público para que este, pelo seu lado, fazendo justiça aos seus esforços, nunca lhes negue o seu apoio”. A 2 de Outubro de 1867 foi nomeado primeiro Comissário-Geral da Polícia de Lisboa, António Maria Cau da Costa. No entanto, pouco tempo se manteve no cargo, pois 17 de Dezembro do mesmo ano pede a exoneração e é nomeado para o substituir o Coronel D. Diogo de Sousa. Na Polícia Civil do Porto foi nomeado para seu Comissário-Geral Adriano José de Carvalho e Melo. Pela Lei de 27 de Julho, é publicado o mapa de Esquadras e Secções para o serviço de Polícia em que foi dividida a cidade de Lisboa, tendo esta ficado dividida em três Divisões, correspondentes a três Bairros, que comportariam, na sua totalidade, 12 Esquadras. A 14 de Dezembro foi publicado o Regulamento para os Corpos da Polícia Civil de Lisboa e Porto. O Corpo de Polícia Civil ficou apenas dependente do Ministério da Justiça do Reino. Com a criação deste novo corpo policial, foram delineadas duas espécies de serviços: detecção de crimes, por parte da Polícia Cívica (Judiciária), e manutenção da ordem pública, por parte da Guarda Municipal. Por lei de 2 de Junho de 1869, operou-se uma importante reestruturação na Guarda Municipal, tendo-se fundido os Corpos de Lisboa e Porto. Igualmente, em 1885, o Corpo de Guarda Fiscal substituiu a Guarda das Alfândegas. Até 1910, os serviços da Polícia sofreram várias reorganizações, de que ressaltam as de 21 de Dezembro de 1876; 23 de Janeiro de 1890; 6 de Agosto de 1892. Com a reorganização de 28 de Agosto de 1893, devido aos serviços já não se coadunarem com a Lei que os criou, resolveu-se que a Polícia fosse comandada por um oficial superior do Exército, recaindo a escolha no Major José António Morais Sarmento, sendo nesta época aumentado substancialmente o número de efectivos. Morais Sarmento manteve-se no comando da Corporação durante cerca de 17 anos, tendo sido exonerado com o advento da República, e sendo a Polícia dissolvida a 6 de Outubro de 1910. É também neste ano que a Guarda Municipal dá origem à Guarda Nacional Republicana. Sendo um assunto de grande melindre, pois se tratava de uma força de segurança pública, que impunha a ordem na rua e nos espíritos, teve a Polícia que sofrer uma radical transformação. Assim, a Polícia de Lisboa “renasce” a 9 de Outubro de 1910, sendo nomeado seu Comandante o Major Alberto Carlos da Silveira. Em 29 de Abril de 1918, cria-se a Direcção-Geral de Segurança Pública, que superintendia os Corpos de Polícia Civil de Lisboa e Porto, a Polícia de Investigação Criminal, (que originará a actual Polícia Judiciária)e a Guarda Nacional Republicana, sendo todas estas corporações dependentes do Ministério do Interior. Seguiu-se um período de grandes e constantes modificações no Comando da Polícia de Lisboa até que, por Decreto de 16 de Novembro de 1923, é nomeado seu Comandante o Tenente-Coronel José Maria Ferreira do Amaral, que deixou obra de grande mérito na Corporação, sendo a partir dessa época que a Polícia aparece com uma nova imagem na opinião pública e que “nasce” a actual PSP, desaparecendo o Corpo de Polícia Civil.

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